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São muitas as viajantes que, cada vez mais, preocupam-se com a sua pegada ambiental. Que tentam viver e viajar de forma sustentável durante o ano inteiro e que, em cada país que passam, tentam ao máximo continuar a fazer as suas viagens sem produzir qualquer dano para as pessoas locais ou para o planeta. Vê os conselhos da nossa viajante sustentável Carla Mota.

1. O que viajar representa para ti?

Viajar é uma das coisas mais importantes da minha vida. É um objetivo de vida, que tracei ainda era muito nova. Trabalho diariamente para conseguir ter independência financeira para fazer aquilo que sou de alma e coração, viajante. Tenho uma sede (incontrolável) de conhecer o mundo, as culturas, as pessoas, os diferentes modos de vida, as paisagens. Tenho uma vontade enorme de partir. É um vício, um vício saudável, e é isso que torna as minhas viagens tão gratificantes.

2. Quando e qual foi o destino para onde viajaste sozinha pela primeira vez?

A primeira vez que viajei sozinha, no sentido de sair completamente da minha zona de conformo, foi na América do Sul, quando percorri Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai em 2010/2011. Foi um grande passo, no sentido em que ia viajar num continente diferente, em países onde o machismo ainda tem um peso bastante grande. Foi altamente recompensador e enriquecedor. Foi a aventura de uma vida e com lições que trago comigo para sempre.

3. Como viajar sozinha te enriquece e por quê o fazes?

Gosto de viajar, seja sozinha, seja acompanhada. Viajar sozinha tem inúmeras vantagens, no que toca essencialmente à socialização e à descoberta pessoal. Quando o faço estou mais disponível para conhecer outros, mais aberta a novas experiências. Sinto necessidade de comunicar e, como tal, isso obriga-me a desenvolver mais as minhas capacidades de comunicação e linguística. Por exemplo, nesse ano na América do Sul, aprendi a falar fluentemente espanhol. Faço mais amigos, porque necessito de estabelecer laços e ligações com os outros. Para além disso, é uma excelente oportunidade de me conhecer a mim própria, na medida em que dependo unicamente de mim. Tenho que saber do que sou capaz. É um período de descoberta pessoal muito interessante. Porém, não faço uma apologia do “viajar sozinha”. Penso que o importante é que as mulheres viajem, seja de que forma for. Devem viajar sozinhas, se assim o entenderem e se isso for importante. Se não gostam, se não têm coragem, se se sentem inibidas, devem viajar acompanhadas.

4. Quais são os teus conselhos para organizar uma viagem sustentável?

Para mim viajar é uma forma de estar na vida, assim como o é ter um comportamento sustentável. Como tal, as duas coisas são indissociáveis. Tenho algumas regras, pessoais, que são as minhas linhas vermelhas, para que o meu impacto sobre os locais que visito sejam os menores possíveis. Tenho preocupações ambientais, mas ao nível da sustentabilidade tenho ainda mais preocupações sociais. Acredito que um viajante consciente do ponto de vista da sustentabilidade deve ser socialmente responsável.

Uma das minhas linhas vermelhas está na utilização de empresas locais e com um impacto real na economia. Evito a utilização de agências multinacionais na restauração e na realização de excursões. Privilegio sempre a utilização de empresas locais, mesmo dentro dos países, especialmente quando são de minorias étnicas. Valorizo a parte cultural dos destinos e a identidade dos povos e é isso, que tento passar mensagem no meu blogue, lutando contra a ideia do mundo globalizado. Tento, sempre que possível, pagar preços justos pelos serviços e produtos. Aqui tenho cuidados de duas ordens.

Em primeiro lugar não permitir uma inflação dos preços sobre os produtos turísticos, criando um gap enorme entre a população que trabalha na área do turismo e a restante população. Esta situação é criadora de fortes disparidades económicas e sociais nos países menos desenvolvidos. Tento combatê-las, no que está ao meu alcance.

Em segundo lugar, tento pagar preços justos pelo trabalho, tentando perceber quanto ganham as pessoas, como vivem, quantas horas demoram a fazer o produto que estou a comprar. Este é o meu maior desafio, pois o “filtro” que tenho sobre o valor do trabalho está indexado ao “meu mundo”. Tento ajustá-lo aos lugares que visito. Não é fácil. Mas é um desafio que gosto de ter. Procuro sempre utilizar serviços que paguem impostos, onde as pessoas trabalhem de forma legal e contribuam assim para um estado social mais justo e eficiente. É por isso que não utilizo Airbnb e Uber nos países em que estes serviços não estão regulamentados.

Do ponto de vista ambiental, tenho cuidados que considero básicos. Uso garrafas de água reutilizáveis, evitando comprar garrafas de água descartáveis. Bebo água da rede pública sempre que esta é tratada, evitando o consumo de água engarrafada. Tento recolher os meus próprios lixos e levá-los comigo, especialmente nos lugares que não têm recolha nem tratamento de lixos. Rejeito sacos plásticos e viajo com um saco de pano reutilizável.

5. Qual é o destino perfeito para uma green traveler e por quê?

Para mim é, sem sombra de dúvida, a Islândia. A água da rede pública é maravilhosa, o que significa que posso usar uma garrafa reutilizável durante toda a viagem. Não consumo água engarrafada proveniente de outro lugar do mundo, evitando assim o desequilíbrio do ciclo da água. A maioria das lojas não usa sacos plásticos, cobrando-os. Os produtos são embalados de forma a utilizar o mínimo de recursos possível. Para além disso, do ponto de vista social, há uma preocupação constante com o individuo e com a sociedade.

6. Diz-nos algo que aconteceu numa das tuas viagens que impactou a maneira como viajas.

Teria muitas e boas histórias para partilhar aqui. Algumas já as contei no meu blogue, neste texto. No entanto, realço a história do Fred, um miúdo que conheci em Cabo Verde.

Fred é um miúdo de cerca de 7 anos, pelo menos pareceu-me, que conheci numa viagem a Cabo Verde, na ilha de Santiago. Encontrou-me, sim, porque as crianças encontram-nos, quase pelos olhos dentro quando passeava no Campo de Concentração do Tarrafal, que em tempos recebeu presos políticos africanos e portugueses que lutavam pela independência das colónias. Fred era descomplexado, atrevido, como só as crianças sabem ser, e muito divertido. Abordou-me sem complexos, e começou a conversar. Fred recebeu-nos no campo de concentração e tinha uma bola furada e poída de tanto uso. Brincava com ela todos os dias e já estava completamente estragada. A sua irmã veio a correr quando nos viu. Fred falava bem português e depois de eu lhe perguntar quantos irmãos tinha, começou a pensar e a contar pelos dedos. Parou nos seis, dizendo que não tinha bem a certeza. Sorri e abracei-o. Aquela inocência era deliciosa.

– Não tens uma bola para mim? – Perguntou-me

Não tinha. A verdade é que não viajo com bolas. Mas, não sei porquê, senti-me triste por não ter uma. Queria muito tê-la ali para lha poder dar. Só tinha canetas e foi o que lhe dei. Gostou mas não era bem aquilo que queria. Encolheu os ombros.

– Um dia volto e dou-te uma bola. Pode ser?

Tinha-lhe feito uma promessa sem perceber. Prometi-lhe que um dia voltava e lhe dava uma bola nova para que ele pudesse jogar. Perguntou-me imediatamente:

– Quando vens?

– Não sei, um dia destes. – Respondi-lhe.

A irmã, sorriu e disse:

– E uma boneca?

– Sim, também trago uma boneca para ti, respondi.

Nesse momento, senti os meus olhos raiarem de lágrimas. Não porque aquelas crianças precisassem muito daqueles brinquedos ou porque fossem extremamente pobres (algo que eram porque brincavam descalços nas terras quentes). Mas as lágrimas escondidas nos meus olhos deviam-se ao facto de lhes ter feito uma promessa que não sabia se poderia cumprir. Pior do que isso, depois de visitar o Campo de Concentração fui para a praia do Tarrafal e a minha ideia era comprar lá uma bola e, no regresso, parar no Campo de Concentração e dá-la ao Fred. Mas esqueci-me. Só quando o autocarro passou no regresso me lembrei. Senti-me a pessoa mais egoísta do mundo. E martirizei-me interiormente por dentro durante algum tempo. Precisava de fazer as pazes com o Fred e comigo. E esta ideia atormentou-me durante muito tempo. Pensei durante meses como podia fazer para lhe fazer chegar aquela bola e a boneca para a sua irmã, criança que nunca cheguei a saber o nome.

Um dia a resposta chegou. A Beatriz, uma amiga que foi fazer uma missão de voluntariado para Cabo Verde, nomeadamente para a ilha do Santiago. Quando soube, enviei-lhe uma mensagem pedindo-lhe para entregar umas prendas ao Fred e à irmã. A Beatriz já estava em Santiago por isso comprei uma bola de futebol e uma boneca em Portugal, embalei-a cuidadosamente e enviei-a pelo correio. A Beatriz recebeu-a na sua casa e tratou de encontrar o Fred com todas as dicas que lhe dei. A Beatriz escreveu-me e mandou fotografias uns dias depois: “Carla, já entreguei. O menino ficou radiante e prometeu partilhar com os restantes!! 😊 ” O meu coração ficou cheio. Cheio de alegria e de sentido de dever comprido. Senti-me outra vez melhor, mais de um ano depois da minha promessa. Esta história motivou-me a ajudou-me a perceber que são estes pequenos gestos que podem fazer o mundo melhor. Pelo menos o meu mundo.

7. Como é percebido em Portugal o facto de uma mulher viajar sozinha?

Penso que é visto com bons olhos. Aliás, cada vez melhor. Não penso que exista qualquer discriminação em relação aos homens ou mulheres que viajem sozinhos. Aliás considero que existe uma aversão maior a “quem viaja” do que a uma “mulher viajante”. Ou seja, em Portugal ainda há um pouco a mentalidade de que quem viaja não gosta de trabalhar, que não quer fazer nada ou então que é muito rico. Uma mentalidade herdada do período do Estado Novo. As coisas estão a mudar e vão mudando. Mas como tudo o que envolve mudança de mentalidades, leva algum tempo.

8. O que não pode faltar na mala de uma viajante eco-friendly?

Definitivamente: garrafa reutilizável, saco de pano e máquina fotográfica. A última pode parecer estranho mas para mim não é. Preciso dela para mostrar ao mundo a beleza da diversidade cultural e humana do planeta e, desta forma, promover a sua preservação. Acredito no poder das histórias e das minhas atitudes para mudar o mundo. Não creio que as minhas atitudes isoladas sejam capazes de mudar o mundo, mas acredito no meu poder de influenciar outros, promovendo assim, através do exemplo, a mudança de comportamentos noutras pessoas.

9. Para que tipo(s)/estilo(s) de mulheres a viagem sustentável é perfeita?

Para todas! Todas as mulheres devem ter preocupações sociais e ambientais. E não é preciso ser mulher. Basta ser Humano para perceber que as nossas atitudes condicionam a evolução do planeta.

10. Numa frase, o que dirias para inspirar outra mulher a viajar sozinha?

O mundo é bem mais fácil do que imaginas. Atreve-te a descobri-lo!

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Sobre o autor

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